December 17, 2004

Heróis do Século XXI


THE ULTIMATES 2 #1
Argumento de Mark Millar
Arte de Bryan Hitch
Editado pela Marvel

É a muito aguardada sequela do sucesso retumbante que foi o primeiro volume de “The Ultimates”, a série mais entusiasmante e irreverente que a Marvel lançou nos últimos anos. Mark Millar e Bryan Hitch voltam a pegar nas versões ultimate das personagens clássicas de Lee, Kirby & Companhia para mais uma viagem de doze números na montanha-russa.

Destaco primeiro a arte de Bryan Hitch, cada vez melhor, e já se espera pelo dia em que se diga que o Alan Davis quer ser o Bryan Hitch quando for grande. Dá-me ideia que Hitch tem uma capacidade maior para criar uma página mais estética, um bocadinho além da competentíssima storytelling de super-heróis de Davis. Talvez o argumento puxe por essas qualidade dele, lembro-me que os seus números em JLA não eram tão interessantes. A cena inicial deste número está excelente, é o momento de acção a fazer lembrar a série anterior que, diga-se de passagem, é capaz de ser a única base de comparação válida para a arte actual de Hitch, e mesmo para a série em si. As cenas na cela de Banner mostram bem o puro design de Hitch, e as panorâmicas sobre Iskellion são sempre de grande espectáculo. Já na capa, há um esforço em mostrar o "group shot" sem ser de uma forma estafada de "photo-op" demasiado óbvia de que os comics de super-grupos costumam abusar.

Sobre a escrita de Millar, pode-se dizer que nem sempre é tão regular quanto a sua capacidade de criar expectativa sobre os seus projectos, e o primeiro volume da série será muito difícil de superar. Tentar encontrar enredos que nos façam esquecer a destruição em massa, as invasões de extra-terrestres mesmo feios e as relações complicadas entre personagens, tudo coisas que já vimos, não será certamente fácil. Este primeiro número, não se pode dizer que seja um começo em grande escala, mas temos uma cena de abertura com um Captain America imparável no palco de uma das guerras bushianas. É o tipo de cena a que Millar já nos habituou, que são bem típicas dos super-heróis de tendência "século XXI", sacanas proactivos e a fazerem lembrar um Clint Eastwood dos filmes do Sergio Leone.

Mas para serem um Ultimate, a estas personagens não basta ser-se um duro e fazer boa figura nos suportes da cultura tablóide do glamour. Há que esconder muito bem os pés de barro com que Millar soube calçá-los na primeira série, e agora os dedões já começam a espreitar por debaixo do manto de respeitabilidade do grupo. Uma coisa muito bem conseguida na série anterior foi a forma como Millar torna os leitores cúmplices dos Ultimates, especialmente na questão Hulk, e nos mostra as personagens como sendo seres humanos normais, capazes dos mesmos pensamentos mesquinhos que nos envergonhamos de ter na nossa vida real. Temos então super-heróis vaidosos, egocêntricos, ligeiramente desequilibrados psicologicamente, que fazem coisas que não vêm nos regulamentos e que conseguem safar-se à responsabilidade graças ao uso experiente do departamento de relações públicas. Por tudo isto, é de esperar que venhamos assistir nos números seguintes à queda em desgraça das super-celebridades, para diversão daqueles que as elevaram a esse estatuto. No caso de alguns, não se pode dizer que não mereçam.

Millar começa por atirar-lhes com a geopolítica à cara. Como resultado de acções mal justificadas bem para lá da jurisdição dos Ultimates, o auto-proclamado Deus do Trovão demite-se da equipa, alegando diferenças irreconciliáveis de agendas políticas. Thor prefere a companhia de um selectivamente visível Vollstagg, o Volumoso, que desce a um típico diner nova-iorquino para matar saudades da gastronomia mortal e deixar o aviso de que Loki voltou às suas travessuras habituais. Este primeiro número serve fundamentalmente de prólogo, em que os nomes do meio-irmão de Thor e do robot Ultron são atirados ao ar, à laia de "coming atractions".

Entretanto, os Ultimates têm os seus próprios problemas: Desde a patente incapacidade do Captain America em apreciar o cinema actual, passando pela inusitada amizade e colaboração científica entre o espancador de mulheres Pym e o espancador de cidades Banner, até ao pesadelo de relações-públicas à espera de acontecer quando o terrível segredo que desesperadamente os Ultimates tentavam manter longe do conhecimento geral é finalmente exposto. Todos os sub-plots parecem lançados, e Millar até promete superar o que vimos em “The Ultimates”, não porque seja uma coisa fácil, mas porque roça mesmo o impossível.

Quote: “Well, that’s the thing about being a grown-up, Pietro. Sometimes you have to break these little promises.”

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