October 22, 2004

Figurinha de ampulheta.


BLACK WIDOW #1 (de 6)
Escrito por Richard K. Morgan
Desenhado por Bill Sienkiewicz
Editado pela Marvel Knights

Natasha Romanova, a. k. a. Black Widow. Ex-bailarina. Ex-agente do KGB. Ex-super-heroína. Ex-agente da SHIELD. Um currículo demasiado intricado e misterioso, em que as únicas constantes poderão mesmo ter sido o ruivo natural do seu cabelo e a facilidade com que fazia inimigos por onde quer que passasse. Aqueles que ela não matou enquanto operacional hiperactiva, agora reemergem para a matar a ela, tal e qual como vem estipulado n’O Grande Livro das Regras da Espionagem e do Recalcamento.

Eternamente jovem e ainda com a figurinha de ampulheta, Natasha planeava viver os anos de reforma na clandestinidade que as paisagens desoladas do Arizona lhe ofereciam, tendo a insónia como penitência e substituta do sono, e o montanhismo como antídoto para as noites em branco. Quando um turista louro leva a cabo uma tentativa de assassinato espontâneo da sua pessoa numa estrada convenientemente perdida, a Viúva Negra desconfia que o passado tenta uma vez mais tecer a sua teia à sua volta, da pior maneira possível. A violência regressa à vida de Natasha e, como sempre, ela acabará por ser a responsável por grande parte da sua intensidade.

Esta é a premissa da nova mini-série da Black Widow e, admitindo que não seja sequer muito original à partida, a forma como o escritor britânico Richard K. Morgan mete mãos à obra torna a história numa leitura viva e entusiasmante. Os diálogos estão lá, e o ritmo também, e a direcção da história não é totalmente evidente neste primeiro número, o que é sempre bom numa história de espionagem e suposta vingança. É a primeira tentativa no campo dos comics books pelo galardoado autor do romance noir futurístico “Altered Carbon”, que recebeu o prémio Phillip K. Dick em 2003. E, a julgar apenas por este número de estreia, podemos estar na presença de um talento que seria válido, e até necessário, para o meio. Há muito tempo que não chegava ao fim de um comic book com aquela sensação de impaciência, de querer, e não me apetecer esperar um mês inteiro para, saber o que acontece a seguir.

Mas se o argumento satisfaz em toda a linha, o que me levou a comprar este comic, à parte do facto de ter uns trocos soltos a fazerem demasiado barulho no meu bolso da última vez que estive na BDMania, foi a arte do veterano Bill Sienkiewicz. Em “Black Widow”, Sienkiewicz compromete alguma da sua estética mais liberal e tão apreciada, e retrocede algumas casas na direcção do estilo mais clássico dos seus tempos de Moon Knight, mas parando magistralmente a meio caminho, bem a tempo de ganhar em termos de sequência gráfica e storytelling, exibindo à mesma o gosto pelo tracejado e pelos negros que o facto de ser o seu próprio arte-finalista lhe permite manter. Vale a pena ainda notar as cores de Dan Brown que se ajustam ao ambiente vincado já de si criado pela arte de Sienkiewicz, sem parecerem nem redundantes nem ineficazes. Claro que, se Sienkiewicz pintasse esta série, sem dúvida seria um produto final ainda mais atractivo, mas talvez perdêssemos a hipótese de matarmos saudades do traço mais clássico do artista.

Assim como está, “Black Widow” arrisca-se a relançar uma das personagens da Marvel com maior potencial para temáticas mais adultas, e a importar para a indústria mais um escritor de talento do chamado mainstream.

QUOTE “…His blood runs out into the desert… and the sand drinks it up… and he doesn’t say a word. It takes him over an hour to die. And he doesn’t say a damned word. Old school. It seems I’m in trouble.”

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