March 11, 2005

O ritual do cada vez menos habitual

Acompanhem-me numa pequena divagação...

Ultimamente, fala-se muito de como o hábito de seguir mensalmente uma série está a ser substituído, quando possível, por comprar as compilações periódicas que as editoras publicam. Sou um dos partidários desse formato, o chamado trade-paperback, e acho que as vantagens são claras: é mais prático de guardar, manusear, emprestar, não tem anúncios, fica bem na estante e resiste melhor à passagem do tempo.

De vez em quando, no entanto, ponho-me a ler séries mais antigas que comprei em formato "panfleto", quando os trade-paperbacks não eram habituais. Nas últimas semanas, por exemplo, peguei em SHADE THE CHANGING MAN, que começou em 1990 e durou setenta números. Sei que seria muito mais prático ler toda a série se tivesse um conjunto de trade-paperbacks que a compilassem, em vez dos setenta comics individuais que tenho guardados num caixote, em cima de uma estante. A verdade, no entanto, é que, para além dos méritos da história e arte, tem-me dado um prazer invulgar o próprio acto da releitura de SHADE THE CHANGING MAN.

Primeiro, cada comic é como que uma pequena viagem no tempo, cheio de pequenos pormenores a apreciar: há a secção de cartas dos leitores (desaparecida entretanto), os anúncios (cartazes de filmes já esquecidos, capas de albuns de grupos nunca mais escutados, jogos de consolas completamente desactualizados, etc), os editoriais e até a textura e cheiro do papel mais antigo. Depois, não sei bem explicar porquê, sinto que há algo de zen em ter de abrir o caixote onde se encontram os comics, tirar uns tantos cá para fora, lê-los um a um e, quando acabo, voltar ao caixote, guardar os lidos e tirar os seguintes.



Isto de reler séries antigas de comics que se tem em formato "panfleto" faz-me lembrar o acto de escutar música utilizando um disco de vinil e um gira-discos - são dois rituais para os quais é necessário alguma disposição e disponibilidade. Admito que não teria paciência para fazer isto sempre que quero ler qualquer comic, mas sinto que é algo que pode servir para tornar ainda maior o prazer de leitura. Que, às vezes, é tudo o que importa...

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