November 24, 2004

Os Homens do Presidente da Câmara


EX MACHINA: State of Emergency
Escrito por Brian K. Vaughan
Desenhado por Tony Harris
Editado pela Wildstorm

Os criadores Brian K. Vaughan (Runaways) e Tony Harris (Obergeist) trazem-nos agora “Ex Machina”, a série creator-owned que começou a sair há uns meses pela Wildstorm e que conseguiu alguma visibilidade na imprensa mainstream. Apesar de “Ex Machina” ter como protagonista uma personagem que facilmente se poderia catalogar de “super-herói”, é evidente o esforço dispendido para a tornar atractiva a um público menos conhecedor do meio da banda desenhada, e tentando agradar a uma faixa etária que já tenha deixado para trás o género mais tradicional e juvenil de se escrever histórias de super-heróis.

O jovem engenheiro civil da câmara de Nova Iorque, Mitchell Hundred, criara-se com as histórias dos super-heróis da DC na cabeça. Seria previsível que se pusesse a voar de um lado para o outro à maluca, tirando o máximo partido das novas habilidades obtidas após um estranho incidente junto a um pilar da ponte de Brooklyn. O que quer que fosse aquele estranho gadget esverdeado e brilhante que ele encontrara a flutuar nas águas do Hudson, explodiu quando ele lhe tocou e, além da bela da cicatriz no rosto, Mitchell ficou com a capacidade de “falar” com todo o tipo de maquinaria, convencendo-as com falinhas mansas a fazerem o que ele quer.

Incentivado pelo amigo russo expatriado Kremlin, e por Bradbury, o tipo que o levou a dar um passeio fluvial naquela fatídica noite, Mitchell lá acede à ideologia juvenil fundamentada pela lógica dos comic books com os quais, muito provavelmente, todos os três haviam aprendido a ler e decide-se a ir lá para fora combater o crime, e mais não sei o quê. Dando bom uso aos inventos que lhe surgem durante os sonhos, Mitchell torna-se no super-herói “The Great Machine”, é prontamente perseguido pela imprensa e pela comissária de polícia, desiste contra a vontade dos amigos e resolve antes concorrer à câmara municipal da grande cidade que é Nova Iorque. E, com a ajuda de um democrata rasta, ganha as eleições como candidato independente.

“Ex Machina” começa mais ou menos nesse ponto, mostrando-nos episódios do passado de Mitchell à laia de pistas para o que se está a passar no tempo presente. O agora Mayor Mitchell Hundred tem de se desdobrar para resolver os problemas de gestão de uma cidade inteira, proibido que está de recorrer às suas capacidades de engenharia telepática. Assim que toma posse, o Mayor tem de se haver com políticos chantagistas, jornalistas curiosos, artistas plásticas com um sentido de humor retorcido, e o eventual assassinato em série que vai fazendo miséria nas fileiras dos condutores de limpa-neves durante o pior nevão da história.

Brian K.Vaughan experimenta calçar os sapatos apertados de Aaron Sorkin injectando os meandros da política de bastidores no género de super-heróis. O encosto à série de televisão “The West Wing” é óbvio, e não há nada de errado nisso. A ideia é boa, mas talvez o resultado final saia curto em relação ao objectivo proposto. As personagens estão lá, os diálogos quase que estão (Vaughan faz melhor em “Y- The Last Man”, por exemplo), os conflitos e problemas surgem em catadupa e variedade, de forma a dar alguma coisa a fazer a cada uma das personagens.

A arte de Tony Harris aparece mais solta em “Ex Machina”, se compararmos com o trabalho dele em “Starman”. Esta evolução agrada-me, especialmente no traço, porque Harris não perdeu o sentido estético que já fazia parte do seu portfolio e que o ajuda a ilustrar de forma cativante uma série que é fundamentalmente uma sucessão de cenas de diálogo umas atrás das outras.

Estes primeiros cinco números de “Ex Machina” acabam por ser algo parados, disparando referências ao que está por vir e ao que se passou antes, talvez a pôr a mesa para um “A Origem de…” ou “O Regresso do Terrível Fulano Que…”. Os assuntos políticos deverão continuar a ser a pedra de toque de “Ex Machina”, e esperemos no futuro poder acompanhar a evolução das personagens na órbita do protagonista Mitchell Hundred. “State of Emergency” não é um mau arranque, mas talvez tenha ficado um pouco atascado no hype inicial da série. Deseja-se as melhoras.

QUOTE “And here I thought cheese was your kryptonite… you lactose intolerant fuck.”

November 18, 2004

Recomendações PREVIEWS - Novembro

Algumas breves recomendações para encomendas deste mês da PREVIEWS (VOL. XIV #11), o catálogo da principal distribuidora de comics norte-americanos...

- CONAN VOLUME 1: THE FROST GIANT'S DAUGHTER AND OTHER STORIES TPB (Dark Horse)
Escrito por Kurt Busiek, com arte de Cary Nord e Thomas Yeates. 176 pág., $15.95.
Este trade-paperback compila os primeiros 6 números da nova série da Dark Horse, mais 14 páginas do número 7 (não me perguntem o motivo disto). Esta nova versão do Conan tem sido extremamente elogiada e popular e, tendo já lido os primeiros 2 ou 3 números, fiquei com vontade de comprar este TPB. Veremos...

- LAST TRAIN TO DEADSVILLE: A CAL MCDONALD MYSTERY TPB (Dark Horse)
Escrito por Steve Niles, com arte de Kelley Jones. 144 pág., $14.95.
Após ler a primeira e divertidíssima mini-série dedicada a Cal McDonald, investigador do sobrenatural, fiquei convencido. Vou encomendar esta nova compilação, agora com a arte única de Kelley Jones (excelente artista para ambientes macabros), de quem já tinha saudades...

- EX MACHINA: THE FIRST HUNDRED DAYS TPB (DC/Wildstorm)
Escrito por Brian K. Vaughan, arte de Tony Harris & Tom Feister. 136 pág., $9.95 US, MATURE READERS.
Recomendo vivamente este TPB. Compila os primeiros números da mais recente série de Brian K. Vaughan, que tanto tem dado que falar com Y: THE LAST MAN. A arte de Tony (STARMAN) Harris também é outro ponto alto dest thriller que mistura política, mistério e um pouco de super-heróis.

- CATWOMAN: RELENTLESS TPB (DC)
Escrito por Ed Brubaker, arte de Cameron Stewart e Javier Pulido. 192 pág., $19.95 US.
Nova compilação (números 12 a 19) da excelente série escrita por Ed (SLEEPER) Brubaker. Por detrás de algumas destas histórias de aventura e policial, escondem-se alguns situações verdadeiramente tocantes. Cameron Stewart e Javier Pulido são dois dos melhores artistas da actualidade, no género de desenho mais estilizado.

- SEAGUY TPB (DC/Vertigo)
Escrito por Grant Morrison, arte de Cameron Stewart. 104 pág., $9.95 US, MATURE READERS.
Outra vez Cameron Stewart, desta vez num TPB que compila uma das mais recentes mini-séries saidas da imaginação, nem sempre bem controlada, de Grant Morrison. Esta estranha história acompanha as aventuras de Seaguy e o seu companheiro Chubby Da Choona (um peixe que fuma charutos). Apresentando jogos de xadrez com a Morte, múmias, parques de diversão maléficos, viagens à lua e estátuas da ilha da Páscoa a fumar, garanto que não vão encontrar muita coisa parecida com SEAGUY.

- SINGULARITY 7 TPB (IDW)
Escrito e com arte de Ben Templesmith. 120 pág., $19.99.
O preço é um pouco alto (como é habitual com a IDW), mas pelo que já vi da belíssima arte, é capaz de compensar. Com a humanidade a viver em cidades subterrâneas após um assalto de entidades microscópicas, sete homens e mulheres terão de salvar o dia. Ficção-científica sombria, ao que me parece...

E é tudo. Por acaso, são tudo compilações de material já existente, mas como sempre, há muitas coisas boas para todos os gostos. O difícil é escolher o que encomendar...

November 11, 2004

A Crise dos Crossovers - parte II

Reunidos então todos os ingredientes necessários, estão (quase sempre) garantidas as condições para um crossover de sucesso. O evento vai dar que falar, haverá muita expectativa, os leitores vão querer ler a história e alguns irão até comprar comics de séries que habitualmente não seguem, de modo a melhor acompanharem o crossover. Se a editora tiver sorte, muitos destes leitores continuarão depois a seguir as séries que conheceram durante o crossover... O claro objectivo foi totalmente atingido: a editora conseguiu aumentar o seu volume global de vendas, não apenas durante o decorrer do crossover, mas também depois deste terminar.


Se a editora, no entanto, tiver criado um crossover mal desenvolvido e pouco atractivo, o tiro pode-lhe sair pela culatra. Não só haverá pouca gente a comprar comics de séries que habitualmente não seguem, como provavelmente conseguiu incomodar os leitores habituais das séries que se viram envolvidas no evento. Tiveram de levar com uma história que fugia ao habitual e vão possivelmente sentir que o seu dinheiro foi mal gasto. Poderá até ser a gota de água que faz com que larguem definitivamente a série...


De qualquer maneira, quer um crossover seja um sucesso ou um fracasso, para mim a questão mais importante é a seguinte: será que é bom para os leitores que ele exista?


Cinicamente, poderia dizer que é uma iniciativa que serve apenas para conseguir extroquir (mais) dinheiro a leitores completistas, ponto final. No entanto, eu consigo ver os benefícios que os crossovers trazem a esse conceito, tão próprio ao mundo dos comics, que é o universo partilhado (por vários personagens). Um crossover bem pensado e implementado ajuda bastante a cimentar e tornar mais "realista" esse universo imaginário, pois permite reforçar as ligações entre várias séries e personagens. Tem também o potencial, nem sempre bem explorado, de permitir ao argumentista contar histórias ainda mais épicas que o habitual.


Infelizmente, grande parte dos crossovers que já segui durante a minha "vida" de leitor de comics ficaram aquém do que desejaria. E nem quero com isto dizer que os tenha achado maus. Mas a verdade é que se vou ler uma história que envolve muitos super-heróis, as minhas expectativas são (naturalmente) mais elevadas que o habitual. Desejo uma ameaça realmente poderosa, desejo confrontos realmente épicos e desejo algo realmente único. O problema é que, com o excesso de crossovers, começam-se a esgotar as idéias para histórias com esta proporção. Os mecanismos de funcionamento dos crossovers tornam-se mais visíveis e a rotina e o aborrecimento na leitura surgem com muito mais facilidade.


O que poderiam então fazer as editoras para combater isto? Simples. Para mim, bastava que os crossovers voltassem a ser um evento verdadeiramente especial. Se se tornassem realmente raros, ocorrendo apenas quando surgisse uma boa ideia, os leitores passariam a antecipá-los muito mais. Sentiriam assim que as histórias eram realmente importantes e por isso valorizá-las-iam muito mais. Fácil de dizer, quase impossível de acontecer... O problema é que, por mais que os crossovers se tenham tornado numa quase-rotina, as pessoas continuam a comprá-los. Podem já não ser o sucesso que eram, mas ainda "rendem" o suficiente às editoras para que elas não achem ainda que seria uma boa idéia estarmos uns dois ou três anos sem crossovers.

Talvez um dia...

November 8, 2004

A Crise dos Crossovers - parte I

Não sei bem porquê (provavelmente porque este ano tem sido marcado por IDENTITY CRISIS e por AVENGERS DISASSEMBLED), estes últimos tempos tenho dado por mim a pensar nos crossovers. Uma das inúmeras artimanhas utilizadas pela Marvel, DC e outras editoras para nos levarem a gastar mais dinheiro do que é habitual, são uma táctica que penso que surgiu nos anos 80, com SECRET WARS (Marvel). O sucesso dos primeiros crossovers levou a que outros surgissem e a que fossem exageradamente populares durante os anos 90.

Ultimamente, no entanto, este tipo de iniciativa tem estado a cair um pouco em desuso. Desde que começou o reinado Quesada, a Marvel tem recorrido muito pouco aos crossovers; a DC não se tem controlado tanto mas, ainda assim, tem diminuído o ritmo com que os põe cá para fora. A verdade é que estamos, felizmente, já bem longe da altura em que parecia que todos os anos haviam vários crossover por editora.

Como disse, tenho pensado um pouco no tema e achei que seria interessante examiná-lo à lupa. Tentar ver quais são os elementos mais comuns dos crossovers, as razões das editoras em os fazer e os benefícios que poderão trazer aos leitores. Comecemos pela sua receita. Após puxar bastante pela cabeça, cheguei à conclusão de que para se poder criar um crossover necessitamos então do seguinte:

- várias séries mensais, pertencentes a um universo comum (ou muito ocasionalmente, pertencentes a universos distintos)

- um título para o crossover, um nome de impacto que evoque conflito e confrontos; utilizar a palavra 'war' fica (quase) sempre bem

- um logotipo chamativo, para espetar na capa de todos os comics afectados (muito ou pouco) pelo crossover, de modo a serem facilmente identificáveis

- um aviso, sempre sério mas raramente verdadeiro, que depois do crossover acabar, "nada será como dantes"

- crossovers de classe A têm direito a uma maxi-série (sete ou mais números); crossovers de classe B têm direito direito a uma mini-série (três a seis números); crossovers de classe C têm direito a um comic especial para iniciar o evento e outro para o concluir; crossovers de classe D já têm sorte em existir, não podem exigir muito mais

- uma ameaça mega-poderosa; tanto poderá ser um vilão como uma guerra, conspiração, evento cósmico ou desastre natural; o importante mesmo é que seja necessária a intervenção de bastantes super-heróis para resolver a situação

- a ameaça em questão deverá ter inúmeras ramificações, que forneçam aos editores e escritores o motivo (ou deverei dizer "a desculpa"?) para envolver as diversas séries mensais no crossover

- um mistério que obrigue a alguma investigação pelos heróis, para provocar especulação entre os leitores e ajudar a que se fale do crossover [ingrediente não obrigatório]

- vários desentendimentos e confrontos entre heróis, muito apreciados pelos leitores que gostam de se interrogar "E se o herói X lutasse contra o herói Y?" [ingrediente não obrigatório]

- uma ou mais mortes; para maior dramatismo, o super-herói que vai desta para melhor dever-se-á ter sacrificado por uma ou mais pessoas, pelo planeta Terra ou (em crossovers de classe A) pelo próprio universo

- o surgimento de novos super-heróis; estes poderão ter direito a uma série mensal quando terminar o crossover [ingrediente não obrigatório]


Penso que é tudo, não me parece que tenha esquecido alguma coisa. Vou a seguir tentar ver o que têm os crossovers de bom e o que têm de mau...